Fábio Muller Diretor Executivo
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A luta antimanicomial

Artigo
10 outubro 2022
A luta antimanicomial

Em 2022 a Reforma Psiquiátrica brasileira completa 21 anos. Chegamos à maioridade com motivos para celebrar, mas também  com muitos desafios a serem enfrentados. No Brasil observamos que a internação de pessoas com transtornos mentais remonta à metade do Século XIX. Mas, é somente a partir dos anos 70, que observamos experiências de transformação das práticas pautadas pela reforma intramuros das instituições psiquiátricas e, mais tarde, pela proposição de um novo modelo centrado na comunidade e no sujeito, um substitutivo ao modelo “hospitalocêntrico”. O movimento de reforma psiquiátrica brasileira é parte integrante da reconstrução democrática de nosso país. 


A reforma psiquiátrica brasileira emerge em consonância a  diversas experiências de reforma da assistência psiquiátrica no mundo ocidental, e às recomendações da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) contidas na Carta de Caracas (1990). Incentiva  a criação de serviços em saúde mental de atenção comunitária, pública, de base territorial, ao mesmo tempo em que se determina a implantação de critérios mínimos de adequação e humanização do parque hospitalar especializado.


Se anteriormente concentrava-se na doença, o modelo proposto pelos Serviços Residenciais Terapêuticos tem como foco o sujeito e as relações, onde não se nega a existência da doença, mas prioriza-se o cidadão, como um sujeito em sofrimento psíquico.
As iniciativas de Residência Terapêutica (RTs), que emergiram no Brasil na década de 90, tiveram, preliminarmente, a função de demonstrar que era viável substituir leitos de hospitais psiquiátricos por casas (residências) no espaço comunitário. São um espaço privilegiado na construção da autonomia e reinserção social de indivíduos com longo período de internação psiquiátrica, sendo cotidianamente resgatadas a cidadania e sua identidade nas atividades diárias. 


O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) – ou residência terapêutica inclui casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, que antes estavam institucionalizadas.  Segundo a OPAS/OMS os programas residenciais têm como objetivo a melhora da funcionalidade pessoal e social e a permanência na comunidade de pessoas que convivem com transtornos psiquiátricos. Processo que se efetiva por meio da recuperação, estabelecimento ou manutenção de uma casa própria, com níveis distintos de supervisão e apoio, e de um programa individualizado de cobertura das necessidades cotidianas, em coordenação com os serviços de saúde mental. A OPAS destaca ainda que o principal objetivo das residências é a vida independente do usuário e o estímulo a sua autonomia pessoal e social.


Desde 2015, o CIEDS é parceiro técnico da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro na cogestão das SRTs, tendo como objetivo: “Assegurar o cuidado integral às pessoas com transtorno mentais, egressos de internação de longa permanência em hospitais psiquiátricos e de custódia, que não possuam suporte social e laços familiares e de moradia, visando sua reabilitação e reinserção social em ambiente comunitário”. Atualmente contamos com 97 RTs em funcionamento, espalhadas por todo o município do Rio de Janeiro, atendemos 544  moradores, representando um alto contingente se comparado aos números nacionais.  


Importante destacar que durante esse período alcançamos coletivamente o fechamento e derrubada dos muros do Nise da Silveira e em breve teremos a desinstitucionalização do último cidadão ainda internado no Juliano Moreira. Ainda em 2022. O encerramento definitivo do último manicômio da cidade do Rio, a Colônia Juliano Moreira. Seu fechamento é símbolo dessa luta, um exemplo a ser replicado no país. 
Nossa experiência nos demonstra que além das ações de promoção da autonomia, de respeito aos direitos dos cidadãos, constrói-se uma nova rede social, reconstrução de identidades e fortalecimentos de laços. Afirmamos assim, corroborando a literatura da área que, nas Residências Terapêuticas residem moradores e não mais pacientes. 


Por uma sociedade sem manicômios.Pela garantia de direitos para todas e todos.