Durante muito tempo, a história brasileira e mundial invisibilizou a atuação das mulheres negras na construção da sociedade e do conhecimento. Acreditava-se numa história única, linear e progressiva, onde os principais atores eram homens brancos, burgueses e europeus. (ALVES; MELO; BRASILEIRO, 2019). Nesse sentido, a história e a luta de toda população negra, sobretudo, das mulheres negras se baseia numa trajetória que corresponde a uma dinâmica social de muita resistência que necessariamente está ligada com a preservação da história, da memória e emancipação. (RODRIGUES; PRADO, 2010). Com isso a igualdade racial é tema que exige de toda sociedade muita ação, diálogo, práticas emancipatórias e cabe ao Estado desenvolver programas e políticas de igualdade racial por meio das ações afirmativas que consiga alcançar todos esses atores impactados pelos efeitos do racismo.
Essa condução histórica nos remete à memória de que as mulheres negras são aquelas que, nos transmite a tradição, conquistaram sua liberdade durante o período escravocrata comprando alforrias, fugindo para os quilombos, controlando o comércio e vendas de rua (SANTOS, 2012). Um exemplo de coragem, resistência e organização para a história brasileira, haja vista que, também foram as mulheres negras que, ao longo do século XX tornaram-se símbolos do trabalho, de práticas mobilizatórias, resistência cultural, da luta pela cidadania e de defesa dos direitos humanos. Com o processo de redemocratização do país, a partir do início dos anos 1980, que representou um momento importante para as mulheres atuarem como agentes sociais junto ao Estado. Vale ressaltar que é neste contexto que as mulheres negras foram presença decisivas em diversos processos organizativos do pais, uma vez que, já vinham se organizando em grupos políticos, associações, partidos, clube de mães, nas pastorais, com o intuito de discutir questões feministas e as demandas das mulheres negras e, por conseguinte, alcançar uma voz no cenário político e social.
Ângela Davis no livro Mulheres, Raça e Classe traça um panorama histórico e crítico sobre a luta antirracista e a luta feminista no cenário estadunidense. A autora faz um percurso histórico partindo do legado da escravidão, a interseccionalidade entre classe, raça e gênero e a luta da mulher negra para emancipação (DAVIS, 2016). Assim como Lélia Gonzalez que também acreditava no potencial transformador do movimento de mulheres negras, sobretudo, nas organizações, na ação coletiva, nas ruas e na organização do ativismo. Uma reflexão necessária sobre os avanços e desafios da luta antirracista.
Com isso, as mulheres negras, através do seu movimento ativista com suas práticas de organização mobilizatórias alinhadas as experiências múltiplas de resistência, conseguiram inserir a pauta racial e enegrecer o movimento feminista ao estabelecer novas parcerias que se estabelecesse de forma emergente, um olhar plural e de solidariedade entre todas as mulheres, abrindo-se novas perspectivas de enfrentamento das discriminações, criaram-se novas estratégias e demandou-se uma nova postura diante das experiências das mulheres negras que é marcada pela exploração sexual, pela invisibilidade profissional e muitas violências. Cabe reconhecer que a luta social e política das mulheres e, sobretudo das mulheres negras tem como grande marco dos processos mobilizatórios e resultados de diversas experiências a década de 80, é o período que representa o avanço da luta do movimento de mulheres negras, que nesse período histórico de 1985 a 1995 engajou, mobilizou e realizou diversos eventos para reivindicar suas especificidades enquanto mulheres negras, bem como: I Encontro Nacional de Mulheres Negras (1988); II Encontro Nacional de Mulheres Negras (1991); I Seminário Nacional de Mulheres Negras (1993); Seminário Nacional de Políticas e Direitos Reprodutivos das Mulheres Negras (1993); II Seminário Nacional de Mulheres Negras (1994). Nesse sentido, é possível dizer que o movimento de mulheres vai demarcando sua identidade e seu espaço no cenário nacional, essas realizações e organizações evidenciam a materialização da luta organizada de mulheres negras no contexto brasileiro concebendo propostas há muito tempo.
Toda essa movimentação social e política das mulheres negras tirou- as da invisibilidade, um caminho que as mesmas encontraram para reescrever suas histórias, haja vista que a denúncia sobre a violação dos direitos econômicos, sociais, culturais, educacionais, políticos e ambientais são lutas específicas e cotidianas desse grupo social que tem como prioridade nas suas manifestações garantir e ampliar os direitos e a equidade de gênero sob a ótica das questões étnico-raciais em todos os espaços. A revolucionária, escritora e poetisa, militante negra Assata Shakur exemplifica que é nas lutas e nas teorias feministas negras, o modo como as representações das mulheres negras e do envolvimento delas nas lutas revolucionárias combateram concepções ideológicas dominantes sobre as mulheres. Para ela, “O lugar de uma mulher é na luta”.
De modo muito objetivo é pertinente salientar que, as organizações de mulheres negras no Brasil trilharam um caminho de articulação e de representatividade política protagonizando a construção de um novo cenário social de visibilidade. E romper com essa categorização universal “mulher” foi um passo importante para a consolidação do movimento de mulheres negras.
Para finalizar ressalto que todo o processo de organização e mobilização das mulheres negras que se deu de forma autônoma é uma resposta a sociedade, que durante muito tempo silenciou a epistemologia, a história, a memória, a cultura, ou mesmo foram tratadas como trajetórias secundárias.
Portanto, este ensaio ao fazer alguns apontamentos acerca da atuação e articulação da mulher negra brasileira e a sua importância no cenário atual de participação na esfera pública para a formação da sociedade, vale dizer que ao pensar o sentido da mobilização como estratégia para fazer diferença na vida destas mulheres para a ação política, seja na dimensão social, cultural, acadêmica, educacional, temos de fazer mais que simplesmente esperar por um futuro melhor. A ativista e filósofa brasileira Sueli Carneiro (1995) nos provoca a pensar que o que temos de fazer é nos organizar e nunca parar de questionar. O que temos que fazer, como sempre, é trabalhar muito. O chamado de Sueli Carneiro é que continuemos com a participação ativa e protagonista nos processos de organização coletiva para transformar as circunstâncias que nos encontramos, pois, enquanto mulheres negras forem oprimidas, persistirá a necessidade do nosso ativismo diário.
Artigo de Pepê Silva, Analista de Projetos Sociais do CIEDS.