Fernanda Colmenero Gerente de Expansão
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Elas no campo: como superar os desafios de gênero no trabalho de relacionamento com comunidades?

Artigo
8 março 2024
Elas no campo: como superar os desafios de gênero no trabalho de relacionamento com comunidades?
Este artigo é assinado coletivamente pelas colaboradoras do CIEDS que constroem o espaço Elas no Campo: Barbara Jinara, Chrisana Bandeira, Fernanda Colmenero, Giselle da Hora, Ianna Rocha, Juliana Watson, Larissa Gila, Luana Carla Vieira, Maiane Almeida, Maira Assis, Maria Lucia Assis, Suiane Alves, Talita Gila e Vanessa de Oliveira

Diariamente, nós, mulheres, travamos batalhas em nossa atuação profissional, envolvendo desde o modo como vamos sair de nossas casas até o quanto podemos aguentar o rojão. Somos observadas em relação a maneira como nos vestimos, como falamos, nos portamos e como defendemos nossas ideias e posicionamentos.  

Desafio uma mulher a dizer que jamais foi alvo de um comentário machista do tipo “está de tpm?” ou ouviu falas relacionadas às suas vestimentas e aparência. Mas em um mercado de trabalho amplamente dominado pelos homens, como é o caso da mineração, a régua é diferente quando se trata de profissionais do sexo feminino. Os olhares, gestos e comentários indevidos fazem parte do cotidiano e, por muitas vezes, nos questionamos se estamos normalizando algumas atitudes para nos enquadrarmos e sermos aceitas.  

Conforme indicado no relatório Mulheres no local de trabalho 2023, da McKinsey, em parceria com a LeanIn.Org, mulheres que sofrem microagressões têm muito menos probabilidade de se sentirem psicologicamente seguras, o que torna mais difícil propor novas ideias, levantar preocupações e se dispor ao risco. A pesquisa revela ainda que as mulheres enfrentam uma probabilidade três vezes maior de considerar deixar seus empregos. Em ambientes de trabalho majoritariamente ocupados por homens, tal fato pode ser ainda mais gritante. Por vezes, medos e receios ganham espaço em um universo que só quem é mulher sente, sabe e vive. 

Além disso, a pesquisa aponta ainda que 78% das mulheres protegem-se no trabalho ou ajustam a sua aparência ou comportamento em um esforço para se protegerem. Por exemplo: muitas mulheres mudam de código – ou suavizam o que dizem ou fazem – para tentar se misturar e evitar uma reação negativa no ambiente de trabalho. 

Sabemos que incentivar a inclusão envolve reconhecer as diversidades e desenvolver estratégias para abordá-las, garantindo que todas as pessoas se sintam parte integrante e capazes de alcançar seu máximo potencial.  

Dentro desse contexto, iniciativas voltadas para a melhoria da experiência das mulheres desempenham um papel crucial no fortalecimento de uma cultura organizacional que acolhe e busca caminhos para um ambiente de trabalho melhor para todas. 
 

Relacionamento com comunidades: caminhos para enfrentar os desafios de gênero no trabalho de campo  

Um dos trabalhos executados pelo CIEDS no campo socioambiental passa por desenhar e executar todas as fases de relacionamento com as comunidades e de educação ambiental do entorno de empreendimentos, escutando e identificando demandas locais, com olhar para as potências das pessoas e dos territórios.  

É esse o trabalho desenvolvido em uma extensão de 530km da Bahia, em que uma equipe composta majoritariamente de mulheres tem em seu cotidiano as visitas às comunidades, escuta ativa e articulação e relacionamento. Esse trabalho demanda idas e vindas de territórios afastados dos centros urbanos, em que a realidade da violência de gênero é uma realidade, tanto para as moradoras, mas também para as próprias colaboradoras.   

No sentido de criar um espaço de escuta e acolhimento às colaboradoras, para que estas sigam ainda mais fortalecidas para lidar com as questões apresentadas nos territórios, em 2023 foi criado um espaço autogerido, colaborativo, feito para e por mulheres. Por meio de encontros quinzenais, o Elas no Campo, promove a discussão coletiva de temas centrais do cotidiano das profissionais e possibilita espaços de sororidade e criação de soluções práticas por essas mulheres que atuam no trabalho de campo como analistas de relacionamento com comunidades.  

Fruto destes encontros, já estão sendo elaborados:  

  • • mapeamento e debate sobre tipos de assédio vivenciados; 

  • • desenho de protocolos e boas práticas para deslocamento em locais sem sinal de celular; 

  • • mapeamento de pontos de apoio que a equipe possa buscar em casos em que venham a se sentir vulneráveis  

Organizações com uma forte representação feminina em todo o processo têm maior probabilidade de implementar determinadas práticas, como o Elas no Campo. Isso ocorre principalmente devido à empatia e solidariedade entre aquelas que enfrentam desafios semelhantes em uma sociedade que ainda é predominantemente machista. No CIEDS, 55% dos colaboradores são mulheres, sendo 36% de mulheres ocupando cargos de nível pleno e sênior em contrato CLT. 

 

O trabalho de campo em relacionamento com comunidades pode superar desafios de gênero?

Os espaços oportunizados através do Elas no Campo fomentam histórias vivenciadas por todas nós e nos ajudam a contribuir de forma participativa com sugestões e soluções para enfrentamento desses episódios, sempre com acolhimento, empatia e sororidade. 

Falar dos nossos medos e receios diante da atuação das nossas atividades em campo, e o que pode mudar diante de um cenário patriarcal que ainda vivemos é fundamental para superarmos os desafios de gênero neste campo. 

São muitas as formas como as questões de gênero estão no fazer do trabalho de campo: 

  • • o homem que trabalha em uma área de negociação fundiária tem mais credibilidade do que uma mulher que ocupa a mesma função; 

  • • quando falamos da mulher na direção, ela é vista como alguém que não sabe dirigir direito e não entende bem do veículo; 

  • • algumas mulheres ainda têm receio de usar roupas justas no seu local de trabalho e sofrer assédio pelos colegas e até mesmo pelos moradores das comunidades em que atua; 

  • • a mulher, além de se esforçar mais que o homem para mostrar que é competente, tem que estudar mais e se provar mais; 

  • • elas precisam se dividir muito mais entre trabalho, casa e filhos do que os homens em geral, gerando receio em ter filhos e perder o emprego.

Para além das situações sofridas no ambiente de trabalho, as trocas compartilhadas entre as profissionais que compõem o Elas no Campo envolvem casos ocorridos nos percorridos diários, desde receios e dificuldades em relação a problemas enfrentados com os veículos e as estradas, até pessoas exaltadas durante a execução dos trabalhos de relacionamento com comunidades e comunicação desenvolvidos. 

Com o Elas no Campo, fomos criando um espaço de escuta afetiva e compartilhamentos que fazem toda a diferença no dia a dia, nos conectando cada vez mais em prol de um bem maior voltado ao nosso bem-estar, saúde e segurança. Entendemos na prática o significado do “juntas somos mais forte” e passamos a nos apoiar e a fortalecer laços antes só feitos por conta de um CNPJ em comum e hoje resumido na união de mulheres fortes, que sabem o que querem e como querem, de olhares atentos e cuidadosos umas para com as outras.