Ao passar pelo jardim de uma simpática vila em Humaitá, no Rio de Janeiro, os vizinhos têm como rotina ouvir o som encantador do piano de Luiz. Mesmo do lado de fora, não há como não se deixar seduzir pelas notas, que vão desde criações próprias, até obras clássicas de músicos consagrados, como Beethoven e Mozart.
O instrumento foi presente de seu pai, ex-percussionista da Orquestra Sinfônica Brasileira. Apesar de sua família criá-lo com o projeto de seguir os mesmos passos, Luiz não queria tocar percussão: seu sonho sempre foi ser compositor. Para isso, matriculou-se na graduação do Instituto Villa-Lobos, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Contudo, sua vida nem sempre foi música para os ouvidos. Depois de cursar dois períodos na faculdade, Luiz desenvolveu uma crise. A partir daí, passou a enfrentar quase duas décadas de idas e vindas em hospitais psiquiátricos. Sua última internação, no Instituto Philippe Pinel, durou cerca de um ano e meio. Na transição para sua saída da unidade, viu-se sozinho: a família havia cortado os laços e se mudado para Minas Gerais.
Luiz, então, passou a ser um dos contemplados pelas Residências Terapêuticas (RTs). Esse serviço promove, por meio da oportunidade de uma moradia, a qualidade de vida e a reinserção social de pessoas que, assim como ele, passaram longos períodos em hospitais psiquiátricos.
Na RT, convive com mais cinco moradores, que recebem assistência de cuidadores, técnicos de enfermagem e acompanhantes terapêuticos.Seu lar fica no bairro do Humaitá, próximo ao Centro de Atenção Psicossocial Franco Basaglia, em Botafogo, onde realiza tratamento e conta com atendimento diário de uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais, entre outros profissionais.
A principal diferença de viver em uma RT, para Luiz, é a possibilidade de ter mais autonomia. “Viver aqui me dá mais liberdade e privacidade, bem diferente do Pinel. Tenho meu quarto e a chave da residência, posso sair de dia na hora que eu quiser. Assim que terminar esta conversa, por exemplo, vou dar uma passada no mercado”. Ele também pôde levar consigo o piano e outros objetos de sua antiga casa, guardados por um primo durante sua internação. “No hospital, não podia ter minhas coisas, então perdi o contato com meu lado musical”, contou.
Aliás, hoje a música é o elemento principal da sua rotina. Todos os dias, pela manhã, estuda o “Método Hanon” em livros antigos e, em seguida, pratica os exercícios em seu piano. Comenta, orgulhoso, que pode acessar o Youtube para assistir aos seus clipes favoritos. Seus planos para o futuro? Conseguir um emprego. A princípio, em qualquer área. Pensa que será uma grande vitória ter a oportunidade de exercer qualquer atividade laboral. Mas pretende voltar aos estudos na faculdade para realizar seu maior sonho: ser compositor.
Os Serviços Residenciais Terapêuticos são um trabalho de gestão compartilhada entre o CIEDS e a Superintendência de Saúde Mental, da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.