Após muitas tentativas (e negativas) de trabalho, a venezuelana Adriana Yelitza Duarte Bencomo ficou muito feliz quando finalmente ouviu o tão esperado “sim” após ser aprovada para compor o time de mediadores das oficinas de sensibilização com foco em empreendedorismo do programa Pense Grande, iniciativa da Fundação Telefônica Vivo realizada pelo Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (CIEDS).
A ação de mobilização com migrantes venezuelanos no município de Boa Vista (RR) foi escolhida para ser o início de uma série de atividades que compõem outro projeto do CIEDS, o Redes de Integração Socioeconômica (RIS), promovido em em parceria com a Fundação Iochpe, patrocínio da da Open Society Foundation e cooperação com PNUD e ACNUR., “Que bom quando alguém responde que sim”.
Após concluir a formação com a metodologia do jogo Se Vira, iniciativa do Pense Grande, Adriana passou a mediar processos formativos em abrigos e espaços educacionais, oportunidade de colocar em prática o que aprendeu e gerar para si um incremento de renda. Depois, ela ainda atuou como voluntária no Inspira Boa Vista, evento local de empreendedorismo promovidos pelo RIS e participou como aluna da formação continuada em Direitos, Cultura e Habilidades para Vida, cujo conteúdo foi desenvolvido pelo CIEDS, Fundação IOCHPE e PNUD. Recentemente, também participou do Dia de Ideação Coletiva, onde os empreendedores brasileiros e venezuelanos receberam mentoria e puderam apresentar seus negócios para uma banca de avaliadores. Adriana foi então selecionada para a Formação em Empreendedorismo, a última etapa formativa promovida pelo RIS antes da incubação dos negócios,
As oficinas do Programa Pense Grande focaram em potencializar os diálogos a partir das vivências pessoais dos participantes, migrantes, refugiados e brasileiros de baixa renda, e abordar habilidades e atitudes empreendedoras por meio de um jogo para criar estratégias de resolução de problemas. Realizadas entre junho e agosto deste ano, as oficinas passaram por todos os 10 abrigos de Boa Vista, que acolhem aproximadamente 7 mil pessoas, entre crianças, jovens, adultos e idosos.
Na etapa de formação do Pense Grande, com o jogo Se Vira, metodologia de sensibilização e mobilização que visa difundir a cultura do empreendedorismo de impacto social, Adriana conta que a convivência entre brasileiros e venezuelanos, tanto como participante, quanto como formadora, resultou em um grupo muito unido e a experiência foi muito importante individual e coletivamente. A princípio com medo da competição entre si, pois sabiam que apenas alguns seriam selecionados para a segunda fase, o grupo terminou se apoiando e torcendo uns pelos outros.
Quando Rosane Santiago, Gerente de Articulação e Desenvolvimento Institucional do CIEDS, comunicou ao grupo que todos foram selecionados como mediadores do Pense Grande em Roraima, , a felicidade foi geral. Nesta oportunidade, Adriana replicou a metodologia do jogo Se Vira em espaços educacionais, como a Casa da Mulher Brasileira e o Centro Universitário Estácio da Amazônia, e em abrigos de migrantes e refugiados.
Com o jogo Se Vira como ferramenta, ela contribuiu no processo de integração de outros migrantes em abrigos da cidade, com foco na geração de oportunidades de negócios, e percebeu a capacidade dos venezuelanos de se adaptarem à nova condição, mesmo com todos os problemas enfrentados em seu país de origem e no Brasil, e relatou a movimentação empreendedora dentro dos abrigos. “A crise política provocou um momento de muita criatividade, de todos os lados, e trouxemos isso para cá” e, ao falar de atitudes empreendedoras nas oficinas, “as pessoas ficaram querendo saber muito mais”.
Aos 35 anos, formada em comunicação social e com experiência com audiovisual em Caracas, Adriana acredita que a oportunidade de atuar como mediadora nas oficinas possibilita apoiar os processos de migração de outros migrantes, o que é muito gratificante. “Com um sorriso, com dedicação, com um pouco de paciência e escuta, a gente pode fazer com que os processos dos outros fique um pouco melhor”. Para ela, uma das melhores coisas de mediar as oficinas é se sentir “útil" e “ajudar a mudar pessoas”, em um processo de transformação que é individual, mas também é coletivo, e destaca a importância do olhar de quem já passou pelo processo de migração no papel de mediadora do projeto.
“Alguns estão mais empoderados, falando com força, e outros ainda não conseguem falar nem ver nada de positivo nesse processo de deslocamento”. Por isso, a necessidade de diversificar as ferramentas e abordagens, pois os venezuelanos estão em diferentes fases de reconstrução de suas vidas, passando por momentos muito difíceis. “Escutar coisas muito fortes e tentar transformar isso em uma coisa boa, que fortaleça, é muito terapêutico tanto para mim como para eles”.
A experiência como mediadora das oficinas do Pense Grande e aluna na formação em Direitos, Cultura e Habilidades para Vida foram muito gratificantes para Adriana, que viu nas formações “um trabalho horizontal, construído entre todos, desafiante e com muito para contribuir de forma integral, porque não é pensado só de um jeito técnico, mas de um jeito muito profundo, tocando em muitos níveis das pessoas. Eu gostei muito”.
Transformando criatividade em geração de renda
Com a chegada de milhares de pessoas que buscam refúgio da crescente e acentuada crise política, Boa Vista chamou a atenção de organizações da sociedade civil preocupadas com os impactos sociais, econômicos e culturais deste processo. O CIEDS viu neste cenário um polo de oportunidades e empreendedorismo baseado na economia criativa, afirma Rosane Santiago.
As oficinas Pense Grande representam uma etapa importante de introdução ao empreendedorismo como ferramenta de transformação social e, em setembro, o Redes de Integração Socioeconômica promoveu o Dia de Ideação Coletiva, evento no qual Adriana foi uma empreendedora participante.
Após a conclusão da formação em Direitos, Cultura e Habilidades para Vida, participantes que quisessem empreender foram convidados a se inscrever para o evento, que contou com um processo seletivo específico. Os empreendedores selecionados passaram um dia inteiro pensando em ideias de negócios, focando em soluções colaborativas para problemas do território. A proposta do evento foi apresentar o empreendedorismo como veículo de desenvolvimento local e reunir diversos atores sociais para discutir os problemas e soluções para o território. Ao fim do dia, os participantes puderam apresentar suas ideias de negócio para uma banca de avaliação, que escolheu os mais preparados para a Formação Empreendedora.
A venezuelana confessa que, apesar de desafiadora, a experiência foi muito positiva. “Foi incrível, acho que fortaleceu muito minha segurança e meu portunhol”, brinca defendendo o empreendedorismo como uma das poucas ferramentas possíveis para melhora da qualidade de vida de migrantes e grupos minoritários. “É muito importante que qualquer população vulnerável entenda a importância de fazer seu próprio projeto, levar adiante sua própria ideia e ir com ela até o final, porque é o único jeito de alcançar nossos sonhos”.
Adriana também tem uma atuação independente dentro dos abrigos, promovendo oficinas em que aborda desde questões básicas e informações sobre direitos e deveres dos venezuelanos no Brasil e técnicas de produção audiovisual para formação profissional, até práticas de meditação, ioga e diferentes tipos de terapias de autocuidado e controle de ansiedade. Adriana atuou multiplicando seu processo de formação e compartilhando suas experiências com outros refugiados.
Migrar e começar de novo
Atuar como mediadora do projeto Pense Grande representou um recomeço para Adriana, que hoje também trabalha na maior produtora audiovisual da cidade, e conta que seu processo de migração aconteceu aos poucos: primeiro realizou alguns trabalhos esporádicos no Brasil, depois foi contratada para filmar o Monte Roraima. Entre as indas e vindas para visitar a família, foi sentindo a condição de vida da população piorando e acabou se estabelecendo em Boa Vista.
Após várias negativas de trabalho em agências de publicidade e propaganda, ela acredita que esses espaços ainda são muito inacessíveis para migrantes venezuelanos. “Por mais que você tenha currículo, você tem que começar de novo”, explica ressaltando que o preconceito agrava muito a situação de vulnerabilidade que os migrantes e refugiados já se encontram quando chegam ao nosso país.
Nas oficinas que realiza com migrantes dentro do abrigo, Adriana reconhece as marcas deixadas pela discriminação e o processo de “renascimento” de muitas pessoas, que inicialmente têm dificuldade de aceitar a nova condição de deslocamento, mas também afirma sua satisfação em atuar acompanhando esses processos. “É muito compensador, uma possibilidade de trocar, de fazer alguém refletir e mudar”, conta.
O Programa Pense Grande é um projeto da Fundação Telefônica Vivo, desenvolvido em parceria com o CIEDS, voltado para jovens interessados em ampliar suas possibilidades de futuro, a partir do desenvolvimento de empreendimentos sociais. No programa, os/as participantes têm a oportunidade de desenvolver e incubar negócios com soluções que podem melhorar sua vida e a de outras pessoas.