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Quilombos: desenvolvimento comunitário e políticas são necessidade

Notícia
15 outubro 2021
Quilombos: desenvolvimento comunitário e políticas são necessidade

Chegamos onde muitos ainda não chegam: esse foi o sentimento que tivemos ao implementar uma ação de auxílio emergencial contra a fome em 21 comunidades quilombolas dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, por meio do programa Pessoas e Negócios Saudáveis, que até o fim de outubro já terá levado 500 mil refeições prontas a pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil. Queremos mais: sabemos que a fome é uma realidade dura que voltou às casas dos brasileiros e por isso não podemos parar, ainda queremos é chegar ao marco de um milhão de marmitas entregues a quem mais precisa.

A maior parte das comunidades quilombolas sofre com preconceitos e não recebe a devida atenção do poder público. Carecem dos direitos mais básicos, como a garantia do território, saneamento básico, saúde e educação. A maioria não tem acesso a água e esgoto e está a quilômetros de distância de escolas ou postos de saúde.

Segundo Ivone Bernardo, ex-presidente da Acquilerj (Associação de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro) e referência na luta pelos direitos dos quilombolas, o fato de estarem quase sempre em locais afastados ainda reduz as chances de parcerias com organizações sociais, que têm dificuldade de acessar os espaços para fornecer auxílio.

"Têm comunidades que, quando a gente vai visitar, se chover, a gente não consegue sair. Vivem uma vida que não é aquela que a gente queria ver. Você anda muitos quilômetros para ver uma casa. São pessoas que têm saberes, porque vivem da cultura, da culinária, do artesanato. São felizes, mas têm muita dificuldade, especialmente por não terem políticas públicas específicas. Existem algumas, mas não funcionam. Trabalhar com projetos sociais nas comunidades é muito importante para vê-las crescerem e avançarem", completa Ivone.

O Pessoas e Negócios Saudáveis, iniciativa do CIEDS contra a fome, surgiu no contexto da pandemia da Covid-19 e foi realizada em locais vulneráveis nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Além dos 21 quilombos, chegou também, entre 2020 e 2021, a 13 comunidades pesqueiras e a territórios periféricos, em parceria com o Instituto Unibanco, o Itaú Social, o Instituto Neoenergia, a Shell, a Amil e o Instituto C&A.

A ação também tem como pilares o fortalecimento de pequenas cozinhas e restaurantes comunitários locais, muito impactados pela pandemia, e de organizações sociais de base comunitária, responsáveis por cadastrar os beneficiários e distribuir as refeições. O projeto teve início em abril de 2020, quando o distanciamento social diminuiu a circulação de pessoas, aumentando o desemprego e diminuindo a renda de milhares de famílias.

"As comunidades quilombolas precisam muito de parceiros, por não terem estrutura financeira. A gente vive enfrentando os grileiros. A maioria das lideranças são mulheres e somos ameaçadas até mesmo de morte. A gente precisa de pessoas que possam nos orientar, nos ajudar", explica Ivone.

As comunidades quilombolas que ainda existem Brasil adentro são caracterizadas pela resistência. Surgiram na era colonial e imperial como espaços construídos por pessoas ex-escravizadas, africanas ou afrodescendentes, que buscavam viver em liberdade. Para que não fossem capturados, os negros e negras refugiados se instalavam em locais bem distantes dos centros urbanos, geralmente em zonas rurais de difícil acesso e ainda não exploradas.

"Eles acabavam se aglomerando, passavam a viver ali [no quilombo] e a lutar pelo território. Mesmo hoje, a gente ainda encontra fazendeiros que tentam tomar posse do terriório, tomar o espaço daquele que já está ali há mais de 100 anos. A gente tem a força dos nossos antepassados, dos nossos ancestrais que vieram antes de nós", explica Ivone.

Além de abrigo, a comunidade quilombola fornecia a seus moradores a chance de retomarem suas antigas tradições e religiões, músicas e danças, oprimidas pelos colonizadores. A valorização dessa cultura também faz parte da luta da comunidade.

"Muitas pessoas acham que ainda vão encontrar nos quilombos as casas de estuque, as pessoas vivendo em telhados de sapê. E não é isso. As pessoas querem melhorar de vida. A comunidade quilombola existe hoje pela história."

O compromisso do CIEDS é com políticas públicas e ações que garantam às comunidades quilombolas saúde, alimentação, educação, moradia, assistência social e saneamento básico, tão fundamentais quanto aquelas que garantam registro e livre manifestação da cultura, religiosidade e memória.  E vai além, é também fortalecer a autonomia comunitária dos quilombos, promovendo ações de geração de renda, resgate cultural e maior confiança no futuro para todos esses homens e mulheres cujos antepassados carregam histórias de sofrimentos e lutas.

Foto: Angelita Ferreira