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Vandré Brilhante dá entrevista ao site da NGO Advisor

Notícia
22 fevereiro 2018
Vandré Brilhante dá entrevista ao site da NGO Advisor

O terceiro setor não consegue escapar de algumas duras realidades enquanto o Brasil ainda luta para evitar um colapso político total. O Diretor-Presidente do CIEDS, Vandré Brilhante, examina seus próprios desafios e o futuro do Brasil, com realismo e pragmatismo, e ainda um senso de otimismo. Uma de suas principais preocupações é a constante construção de uma geração perdida, isto se o sistema educacional brasileiro permanecer em seu estado atual. Essa tarefa é assustadora e o terceiro setor tem um papel essencial a desempenhar.

Por Jean-Christophe Nothias | Editor chefe, NGO Advisor

Jean-Christophe Nothias (JCN): Quais mudanças você viu no setor brasileiro sem fins lucrativos desde 2015, particularmente em relação ao financiamento e ao apoio público e privado?

Vandré Brilhante (CIEDS): Os últimos três anos foram muito desafiadores para o terceiro setor brasileiro, especialmente para as ONGs. Alguns dirão que foram os piores anos das últimas décadas. Nesse período fortemente conturbado notou-se uma das piores crises econômicas que nosso país já enfrentou, junto com uma profunda e duradoura falta de confiança em nossas instituições públicas e privadas. Centenas de políticos, junto com algumas das maiores empresas privadas brasileiras, estiveram envolvidos em casos de corrupção. Quase todas as principais empresas brasileiras estavam envolvidas, ou apoiavam, a corrupção. Nesse cenário, o terceiro setor - ONGs, fundações e agências de desenvolvimento - também esteve envolvido no processo de derretimento político. Em suma, nossa sociedade hoje tem menos confiança nos agentes públicos do que há três anos.

O setor sem fins lucrativos enfrentou momentos difíceis. Muitas ONGs, pequenas e grandes, fecharam porque os recursos financeiros públicos e privados ficaram escassos. Duas grandes ONGs também estiveram envolvidas com partidos políticos e isso manchou suas reputações. Para o CIEDS, foi um teste para manter seus parceiros. A transparência financeira é fundamental. Para muitas outras ONGs, a parceria com grandes empresas privadas tornou-se muito mais complicada, já que foram instauradas novas regulamentações de conformidade mais rigorosas. Existe uma nova política pública para regular o financiamento sem fins lucrativos e a parceria com os governos - local e federal –, chamada Estrutura Reguladora do Terceiro Setor, entretanto ainda não está completa e nem foi implementada.

Hoje o cenário é, infelizmente, pior do que três anos atrás. É necessário iniciar programas que apoiem a capacitação de organizações comunitárias e também para promover redes melhores e mais fortes entre instituições sem fins lucrativos e o setor privado. Há também novas oportunidades para organizações sem fins lucrativos para apoiar a implementação de políticas e programas éticos em instituições públicas e privadas, e criar redes de suporte operacional para implementar projetos e iniciativas locais. Ainda há outras oportunidades para promover uma melhor gestão pública das políticas sociais e um futuro melhor.

JCN: A "mudança do sistema" é parte da abordagem e reflexão do CIEDS? Como isso se traduz nas suas operações atuais e futuras?

Vandré Brilhante: É algo muito importante para nós. Estamos conscientes das mudanças locais e globais, especialmente em um país como o Brasil. Contudo, continua a faltar consolidação das políticas públicas sociais e econômicas. Nossas instituições públicas e privadas são jovens em relação à globalização e aos princípios dos cidadãos. Ao mesmo tempo, nossa sociedade está passando por um rápido processo de perda de confiança por múltiplas razões. Problemas sociais, conflitos, violência e pobreza são ameaças crescentes para nossas famílias e jovens.

Essa situação coloca uma enorme responsabilidade sobre o CIEDS, já que nos questionamos diariamente se nossas atividades, projetos e programas são úteis para promover mudanças sociais positivas reais. Precisamos absorver novas tecnologias e realizar parcerias com instituições relacionadas se quisermos fazer uma diferença maior para aqueles que mais precisam de nossos esforços. A prosperidade para todos só será uma realidade se começarmos a promover o impacto coletivo, reunindo, não só a nossa rede, mas participando e compartilhando com outras redes para realizar ações fortes. As organizações comunitárias precisam florescer e crescer em todos os lugares, de forma a criar um tecido social relevante e ativo. Esta é a realidade da alteração de sistema que enfrentamos e consideramos, principalmente, no nosso planejamento institucional para que apoie a conquista dos Indicadores Sustentáveis Globais promovidos pelas Nações Unidas.

JCN: Quais você considera que são os maiores desafios para o CIEDS nos próximos 5 anos?

Vandré Brilhante: Precisamos balancear melhor nosso orçamento entre financiamento governamental e privado. A maior parte do nosso orçamento ainda é financiada por projetos governamentais. Essas atividades ainda são vistas pelo governo como uma prestação de serviços e não como uma parceria social. Este é um problema que precisamos abordar mais em nossa rede. Nós também precisamos ter o Terceiro Setor regulado e melhor implementado. Ao mesmo tempo, há muito a ser feito em relação a parcerias com empresas privadas e institutos sociais criados por elas. A maioria delas ainda opera projetos e iniciativas alinhadas aos interesses das empresas às quais são filiadas e, em alguns casos, competem com ONGs para financiamento e recursos públicos. Estamos fortemente focados em promover o fortalecimento das organizações comunitárias e juvenis em todo o Brasil. Acreditamos que um terceiro setor forte irá criar um ambiente democrático forte com mais justiça e prosperidade. Para isso, acabamos de lançar a COMPARTIR, uma plataforma digital gratuita com o objetivo de divulgar informações e oportunidades úteis para todos os interessados, ​​ou aqueles que já trabalham com iniciativas sociais e sustentáveis. A COMPARTIR visa se tornar uma plataforma de solução para o desenvolvimento sustentável.

Existe uma necessidade urgente de desenvolver programas sociais e educacionais que sejam efetivos para todos os jovens brasileiros. As taxas educacionais estão diminuindo apesar dos muitos esforços. O país enfrentará momentos ainda mais difíceis no futuro, já que toda uma geração está sendo educada de maneira fraca e injusta. Isso também traz a necessidade de profissionalização e programas de primeiro trabalho para jovens de baixa renda. Eles são afastados pela falta de educação, informação e as mesmas oportunidades.

Esses objetivos e muitas outras iniciativas descritas pelo CIEDS precisam ser melhor e mais facilmente avaliados de forma regular, pois nossos problemas sociais e econômicos estão crescendo rapidamente e os recursos estão indo na direção oposta. Todo o nosso planejamento estratégico é baseado em promover o impacto coletivo, atuando em redes com diferentes parceiros, de modo a aumentar nossos resultados. Também consideramos o envolvimento de diversas equipes e novas tecnologias adequadas para nos ajudar a alcançar nossa missão e visão.

JCN: O que tem sido essencial no rápido crescimento do CIEDS nos últimos dois anos?

Vandré Brilhante: Estamos dedicados a entregar resultados de custo benefício e a trabalhar junto com nossos parceiros. Nós consideramos as parcerias não apenas como um processo de financiamento, mas como um relacionamento de longo prazo. Nós também construímos e trabalhamos com redes locais. Isso faz uma grande diferença na sustentabilidade e na criação de novas oportunidades para projetos. Uma vez que a nossa missão é promover a prosperidade, desenvolvemos ações em muitos campos, como educação regular, profissionalização juvenil, empreendedorismo, cultura, assistência social e muitos outros.

Nossos parceiros costumam dizer que o diferencial do CIEDS está na capacidade de reunir adequadamente pessoas, recursos e parceiros em todos os lugares que desenvolvemos nossas atividades. Essa é a nossa capacidade fundamental. É importante mencionar a nossa capacidade de criar equipes profissionais com diferentes origens e conhecimentos de forma a colocá-los para trabalhar e desenvolver ações sustentáveis e positivas.

JCN: Qual é o feito que te deixa mais orgulhoso quando se trata de operações de campo?

Vandré Brilhante: Grandes números geralmente falam por si mesmos - projetos, pessoas envolvidas, parceiros e assim por diante, mas as conquistas que me deixam especialmente orgulhoso são as relacionadas à mudança de vida - mesmo que seja uma única vida. Por exemplo, os programas que desenvolvemos com jovens meninos e meninas que cometeram pequenas delitos. O programa de Primeira Oportunidade de Emprego, juntamente com uma abordagem social e amigável, teve um impacto direto e positivo em muitos jovens, mudando suas vidas e perspectivas futuras. Também estamos orgulhosos da nossa gestão por dois motivos específicos. Gerenciamos um número muito alto de processos operacionais de forma muito suave e eficiente. Em segundo lugar, em um país marcado por corrupção e escândalos, estamos à parte desses problemas e mantemos nossa transparência operacional e financeira e prestação de contas com uma boa saúde. Estamos orgulhosos por esses 20 anos de criação e desenvolvimento de oportunidades para aqueles que mais precisam. Criamos redes para a prosperidade e confiamos em um futuro melhor.

Texto original em inglês disponível em: https://www.ngoadvisor.net/whole-generation-educated-poor-unfair-way/.